Em meio à devastação econômica trazida pela Covid-19, o governo federal implementou uma série de medidas para amortecer o impacto sobre os setores mais afetados. Dentre essas, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) se destacou ao conceder benefícios fiscais significativos. Este artigo analisa as recentes controvérsias envolvendo a revogação desses benefícios, destacando a importância da segurança jurídica e do direito adquirido no contexto fiscal brasileiro.
O Perse representou um sopro de esperança para o setor de eventos, severamente impactado pelas restrições da pandemia. Por meio de incentivos fiscais como a redução a zero das alíquotas de PIS/Pasep, Cofins, CSLL, e IRPJ por 60 meses, buscava-se não apenas a sobrevivência imediata do setor, mas também sua recuperação a longo prazo.
Não obstante os amplos debates que estão sendo travados nos tribunais de todo o país referentes às empresas e atividades que podem efetivamente desfrutar dos benefícios insculpidos pela lei, haja vista os atos expedidos pelo poder Executivo em aparente excesso de sua função regulamentar criando óbice ilegal [1][2], a análise aqui proposta se limita a evidenciar o posicionamento dos tribunais superiores no tocante à possibilidade ou não de revogação de isenção condicionada.
Revogação dos incentivos e inviolabilidade das isenções
Isso porque, no final do ano passado, no apagar das luzes como costuma-se falar, o governo federal editou medida provisória revogando os benefícios instituídos pelo Perse.
A nova norma editada pelo governo reduz o tempo de validade dos benefícios então concedidos, cuja validade inicial seria até fevereiro de 2027, revogando a alíquota zero do PIS, Cofins e CSLL já no dia 1/4/2024, e do IRPJ a partir de 1/1/2025 [3].
Contudo, a edição da Medida Provisória nº 1.202/2023, reduzindo o prazo desses benefícios, gerou uma onda de incerteza. Essa ação do governo federal levanta questões profundas sobre a isenção condicionada, um princípio bem estabelecido no Código Tributário Nacional (CTN) e reforçado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), como visto na Súmula 544: “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.
A Constituição, ao tratar das limitações ao poder de tributar, determinou, em seu artigo 150, §6º, que as isenções só poderão ser concedidas mediante lei. Dando concretude às disposições constitucionais, e, tratando das normas gerais em matéria tributária, o CTN trata do instituto da isenção nos artigos 176 a 179.
A jurisprudência e a doutrina têm, consistentemente, defendido a inviolabilidade das isenções fiscais concedidas por prazo certo, sob a proteção do princípio da segurança jurídica.
Visões da doutrina e da jurisprudência
Regina Helena Costa [4] destaca que “a isenção condicionada e por prazo certo não pode ser extinta pela pessoa política antes do termo final assinalado, sob pena de ofensa ao direito adquirido, à vista do princípio da segurança jurídica”.
O mestre Aliomar Baleeiro [5] coaduna deste entendimento, sobre o qual sua obra diz: “A lei nova, que cancela a isenção, a redução do imposto ou o benefício, jamais poderá retroagir, prejudicando o direito adquirido”.
O Superior Tribunal de Justiça, tribunal incumbido de uniformizar a interpretação das leis federais, também já se posicionou sobre o tema. No REsp nº 1.725.452, de relatoria da ministra Regina Helena Costa, prevaleceu o entendimento na 1ª Turma de que a revogação antecipada de benefício fiscal condicionado e por prazo determinado viola o princípio da segurança jurídica.
O caso versava justamente sobre redução a zero de alíquotas, cujo entendimento da Turma foi de que, em que pese não se trate de isenção, deve ser observado o artigo 178 do CTN, que veda a revogação, pois a isenção e alíquota zero têm o mesmo resultado prático em termos de alívio fiscal [6].
Em seu voto condutor, ponderou a relatora “A proteção da confiança no âmbito tributário, uma das faces do princípio da segurança jurídica, prestigiado pela norma do artigo 178 do Código Tributário Nacional, deve ser homenageada na apreciação deste recurso, sob pena de olvidar-se a boa-fé da contribuinte, que aderiu à política fiscal de inclusão social, concebida mediante condições onerosas para o gozo do incentivo da alíquota zero de tributos”.
Conclusão
Não é diferente o entendimento que deve ser aplicado no caso da revogação da alíquota zero do Perse por meio da MP nº 1.202/2023, ante a evidente ofensa ao princípio da segurança jurídica, corolário do direito tributário brasileiro.
O debate sobre a revogação dos benefícios fiscais do Perse transcende a discussão legal, tocando em questões fundamentais sobre a relação entre o Estado e o setor privado em tempos de crise. Respeitar o princípio da segurança jurídica é essencial não apenas para garantir a confiança dos contribuintes nas políticas fiscais, mas também para sustentar a recuperação econômica do país.
Para os contribuintes afetados, restam as vias judiciais como recurso para salvaguardar seus direitos, um caminho que reafirma a importância do judiciário na manutenção do equilíbrio entre os Poderes do Estado e na proteção dos direitos individuais e coletivos em face de ações governamentais questionáveis.