A discussão sobre a dignidade da pessoa humana e os limites do paternalismo jurídico voltou ao centro do debate constitucional, especialmente diante de decisões que envolvem a proteção do indivíduo contra suas próprias escolhas. O princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado em diversas constituições e documentos internacionais, tem sido invocado como justificativa para medidas que restringem a liberdade pessoal com o objetivo de impedir autolesões ou condutas consideradas prejudiciais. Esse cenário, no entanto, levanta uma questão central: até onde o Estado pode ir para proteger a pessoa contra si mesma sem violar sua autonomia?
O paternalismo jurídico é frequentemente definido como a intervenção do Estado na liberdade individual, mesmo contra a vontade do cidadão, sob a justificativa de protegê-lo de danos físicos, psicológicos ou sociais. O problema surge quando essa proteção se transforma em um obstáculo à autodeterminação. A dignidade da pessoa humana, nesse contexto, assume uma função paradoxal: é ao mesmo tempo o fundamento para garantir a liberdade individual e o motivo para restringi-la. Casos como o julgamento francês que proibiu espetáculos envolvendo anões ilustram essa tensão entre liberdade e proteção.
O princípio da dignidade da pessoa humana, segundo a tradição kantiana, exige que nenhum ser humano seja tratado como objeto, ou seja, como meio para os fins de terceiros. No entanto, quando o próprio indivíduo consente com determinadas práticas que envolvem risco ou degradação pessoal, o dilema moral e jurídico se intensifica. A questão se torna ainda mais complexa quando se considera que a dignidade da pessoa humana não é apenas um direito individual, mas também um valor coletivo e um princípio estruturante da ordem pública.
Diversos teóricos do direito, como Ronald Dworkin e Jörg Neuner, argumentam que a proteção jurídica deve ser proporcional e respeitar ao máximo a capacidade de autodeterminação dos cidadãos. Para Dworkin, mesmo pessoas incapazes de expressar sua dignidade – como pacientes em estado terminal ou com demência – ainda devem ser tratadas com respeito e humanidade. Isso reforça a ideia de que a dignidade da pessoa humana não pode ser renunciada, mesmo quando a pessoa não tem plena consciência de si.
No contexto brasileiro, essa discussão ganhou relevância no julgamento do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional o artigo da Lei de Drogas que criminaliza o porte de cannabis para uso pessoal. O STF entendeu que a criminalização impunha uma moral privada e exercia um paternalismo jurídico excessivo, desconsiderando o direito de cada pessoa de fazer escolhas sobre sua própria vida. Nesse caso, a dignidade da pessoa humana foi interpretada como garantia de liberdade, não como justificativa para repressão estatal.
O equilíbrio entre o paternalismo jurídico e a dignidade da pessoa humana exige do legislador e do Judiciário uma análise cuidadosa do contexto, da vulnerabilidade do indivíduo e das consequências da conduta. Nem toda limitação da liberdade é uma violação da dignidade, mas também nem toda proteção é justificada apenas pelo risco de dano. A autonomia individual deve ser vista como um direito essencial, mas também como um valor que precisa ser promovido de forma responsável.
A proteção contra a autodestruição, embora motivada por boas intenções, não pode se tornar uma forma de controle social disfarçado de benevolência. A dignidade da pessoa humana exige que o Estado respeite o protagonismo dos indivíduos sobre suas decisões, mesmo que elas pareçam equivocadas. O verdadeiro desafio está em reconhecer quando a intervenção estatal é necessária para proteger a dignidade de alguém em situação de vulnerabilidade e quando ela é apenas uma violação do direito à liberdade.
Por fim, o debate sobre o paternalismo jurídico e a dignidade da pessoa humana continuará a marcar profundamente o campo constitucional. Trata-se de uma discussão que transcende o direito e alcança a filosofia, a ética e as políticas públicas. O que está em jogo é a definição de qual sociedade queremos construir: uma em que o Estado atua como tutor de cidadãos incapazes ou uma em que se reconhece a maturidade e o direito de cada pessoa viver segundo suas próprias convicções.
Autor: Charles Moore