A proposta de perdoar crimes que atentam contra o Estado democrático de Direito acende debates jurídicos intensos sobre os limites da Constituição e a integridade das instituições republicanas. Juristas destacam que certos crimes são expressamente declarados pela Carta Magna como imprescritíveis, inafiançáveis ou vedados de se beneficiarem de anistia, o que cria um obstáculo legal para qualquer projeto que pretenda conceder perdão a quem participou de ataques às normas democráticas. O tema exige cuidado, pois trata não apenas de interpretação jurídica, mas de princípios fundamentais que sustentam o pacto civil.
Defensores do perdão a envolvidos em crimes políticos alegam que tal medida poderia funcionar como instrumento de pacificação social, diminuindo tensões políticas e favorecendo reconciliação. No entanto, essa visão se choca com o entendimento de que certos danos à democracia não se apagam com lei de anistia sem que haja uma ruptura com a ordem constitucional. A democracia depende do reconhecimento explícito de que atos contrários à liberdade institucional devem ter consequências, sob pena de incentivo a instabilidades futuras.
Aspectos internacionais também entram no debate, já que o Brasil possui compromissos internacionais que vedam perdão de determinados crimes, especialmente aqueles que violam direitos humanos básicos ou que minam o funcionamento democrático. Tratados e convenções assinadas pelo país ajudam a assegurar que a lei interna esteja em harmonia com padrões globais de proteção institucional. Ignorar essas obrigações pode resultar em repercussões diplomáticas, judiciais ou reputacionais, além de criar insegurança jurídica.
Além da coerência normativa, há um conflito de competências que precisa ser considerado. O poder Legislativo, ao propor ou aprovar anistias, precisa respeitar os limites constitucionais e não invadir atribuições do Judiciário ou do Ministério Público, responsáveis por julgar, aplicar penas e garantir due process. Qualquer tentativa de perdoar crimes graves sem um processo formal de responsabilização pode ser considerada usurpação de funções, caso afete direitos de indivíduos ou viole decisões já transitadas em julgado.
Outro ponto relevante é o papel da memória institucional e social. Anistias tendem a apagar ou ofuscar registros de violação institucional, dificultando a responsabilização histórica e o aprendizado coletivo sobre riscos democráticos. Preservar o registro dos fatos, garantir que vítimas sejam reconhecidas e mecanismos de investigação continuem operantes são medidas essenciais para que a democracia se fortaleça. Sem isso, existe risco de repetição de abusos ou de legitimação tácita de condutas antidemocráticas.
Do ponto de vista político, votar ou aprovar perdões desse tipo pode gerar grande polarização. Eleitores, partidos, entidades civis e instituições de direitos humanos tendem a se posicionar fortemente sobre o tema. Governos que apoiam anistias para crimes contra normativas democráticas podem enfrentar desgaste institucional significativo, além de crises de legitimidade. Por outro lado, oposição ou movimentos legais contrários podem usar o tema como bandeira de defesa do Estado constitucional.
Seja qual for o desfecho legislativo ou judicial, é esperado que o Supremo Tribunal Federal ou instâncias responsáveis por avaliar constitucionalidade atuarão com rigor. A estabilidade da ordem democrática depende da observância de normas constitucionais, especialmente aquelas que protegem a institucionalidade do Estado. O Judiciário tem papel central não só de julgar casos concretos, mas de assegurar que leis eventualmente aprovadas não conflitem com cláusulas pétreas ou princípios fundamentais.
Em síntese, Anistiar crimes contra o Estado democrático de Direito possivelmente afronta dispositivos constitucionais, compromete compromissos internacionais, impõe riscos à memória institucional e desafia limites entre poder Legislativo, Executivo e Judiciário. A ideia de reconciliação ou pacificação não pode se sobrepor ao dever de responsabilização quando as bases do pacto democrático foram abaladas. O debate exige reflexão profunda sobre que tipo de sociedade se quer, com quais garantias e em que condições a democracia pode ser fortalecida ou fragilizada.]
Autor: Charles Moore